Nova lei facilita retomada de carros por inadimplência e libera imóvel como garantia em mais de uma operação; entenda

O novo Marco Legal das Garantias, que muda as regras para o uso de bens, como imóveis ou veículos, como garantia para empréstimos, facilita retomada de carros por bancos no caso de inadimplência.

E, entre outros pontos, também libera o uso de um imóvel como garantia para mais de uma operação de crédito.

O texto foi aprovado nesta semana pela Câmara dos Deputados, mas ainda precisa ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ter validade.

O objetivo do projeto é de que, com o reforço do uso de garantias para operações de crédito, as taxas de juros das instituições financeiras recuem e a oferta de crédito aumente.

"A segurança no cumprimento de qualquer obrigação está na força das garantias, que se são 'fracas' ou de difícil realização, aumentam o risco de o negócio não ser executado e, por consequência, encarecendo seu custo ou mesmo o inviabilizando. A experiência mostra que o crédito se expande fortemente quando há um ambiente microeconômico favorável", avaliou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em nota.


De acordo com a Febraban, o Brasil é país que menos recupera garantias no mundo, que mais tempo demora e mais custos tem para reaver uma garantia. Segundo a entidade:
  • O Brasil recupera apenas 0,146 centavos para cada dólar dado em garantia nos casos em que as empresas entram em processo de falência.
  • Para efeito de comparação, na Inglaterra, o percentual de recuperação chega a 0,853 centavos por dólar.
  • Considerando apenas os países emergentes, a mediana da amostra seria de 0,416 centavos por dólar dado em garantia, cerca de três vezes o valor no Brasil.
  • O prazo para recuperação do crédito no Brasil é alto (média de 4 anos) e o custo relativamente elevado (o processo de retomada costuma consumir cerca de 12% do valor a ser recuperado).

Em julho, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) avaliou que o novo Marco das Garantias pode resultar em um aumento do endividamento das famílias.

Retomada de carros
No caso de uso de veículos como garantia, o texto permite a retomada sem recorrer à Justiça, em caso de inadimplência. O procedimento extrajudicial pode ser tanto em cartórios quanto nos departamentos de trânsito locais.

De acordo com o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), Paulo Noman, cada banco tem sua regra, mas, em termos gerais, o processo de execução judicial para retomada dos carros dados em garantia, com a regra atual, começa após 120 dias de inadimplência (quatro meses). E demora de um ano a um ano e meio para retomar o carro pelo não pagamento das prestações.

Com o fim da necessidade de que esse processo tramite pela justiça, bastando por exemplo o uso dos cartórios ou Detrans, a expectativa do presidente da Anef é que essa retomada "seja muito mais rápida" do que atualmente. Mas ele não soube estimar em quanto tempo o procedimento poderia ser agilizado.

"A expectativa é de ser muito menos que um ano e meio, mas vai depender da regra. Se vai ser retroativa, isso não está ainda claro. Deve ser uma coisa mais ágil, mais rápida, que é justamente o objetivo da lei. Expectativa é que vai ser muito mais rápido do que hoje e dar acesso a crédito a mais gente. Diminui o custo do banco", declarou o presidente da Anef, Paulo Noman.


O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, confirmou que havia um problema com recuperação dos carros financiados, e disse que a nova lei, de fato, vai agilizar esse tipo de procedimento.

"Financiadores tinham de entrar em juízo, isso demorava muito, era um processo complicado, e grande parte dos carros financiados desaparecia nesse processos. A lei aperfeiçoou e 'desjudicializou'. Para baratear custo de financiamento para todo mundo", avaliou Marcos Pinto, do Ministério da Fazenda.

Segundo ele, há no Brasil uma cultura um pouco de preocupação com o devedor, que é justa. Acrescentou, porém, que o bom pagador, pelas dificuldades existentes na recuperação dos automóveis, estava arcando com os custos do mau pagador (pois todos pagavam juros maiores).

"Com juros mais baixos, o risco de inadimplência é menor. Uma das razões porque a inadimplência é tão alta é porque os juros são altos. Não recupera o crédito, o juro sobe, gera inadimplência, e juros sobem mais. Estamos tentando implantar um um ciclo virtuoso, pois a população pagando juro menor consegue arcar com financiamento e consegue reduzir mais juros no futuro", explicou o secretário.

Uso de imóveis como garantia
De acordo com o texto aprovado, um mesmo bem pode ser usado como garantia em mais de um pedido de empréstimo.
  • Como é hoje: um imóvel de R$ 200 mil, por exemplo, só pode ser usado como garantia para uma única operação de crédito até a quitação do valor -- ainda que a dívida seja de valor menor, como de R$ 50 mil.
  • Como fica: agora, os R$ 150 mil restantes do bem também poderão servir como garantia em outros empréstimos.

Segundo o secretário Marcos Pinto, do Ministério da Fazenda, ao ampliar o uso de garantias nos empréstimos, as pessoas conseguirão juros menores, mais próximos do atual patamar da taxa básica da economia fixada pelo Banco Central, de 12,75% ao ano.

"Esse empréstimo vai sair muito barato. A gente espera que o custo dele se aproxime daquele com a taxa livre de risco da economia, a Selic, pois o banco praticamente não vai ter nenhum risco. Com misso, a gente está completando o pacote que reforma todo sistema de financiamento com garantias", declarou o secretário.

'Risco' para o consumidor
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a utilização do mesmo bem como garantia em mais de uma operação pode trazer “risco” ao consumidor e resultar em aumento do endividamento das famílias.

“Sem educação financeira não há garantia, somente mais dívidas. O estímulo para o uso do crédito com garantia de bens móveis e imóveis, sem informações e com o apelo da redução da taxa de juros é um grande risco aos consumidores”, avaliou o instituto.


Na avaliação da entidade, o projeto não evidencia os critérios que deverão ser atendidos para assegurar a concessão responsável do crédito.

“A promessa de crédito fácil (...), oferecida sem embasamento na capacidade de pagamento e planejamento, apenas definida pela garantia, pode representar a perda da casa, do carro, do terreno, das joias, da moto e até do aparelho de celular, entre outros bens”, avalia.

G1 Economia


Editorial, 09.OUTUBRO.2023 | Postado em Mercado


  • 1
Exibindo 1 de 1