IPCA contraria expectativas e deve voltar ao intervalo da meta em 2023

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga nesta quinta-feira (11) os números finais da inflação oficial do Brasil. Contrariando as expectativas do início de 2023, o indicador deve fechar o ano abaixo do teto da meta de inflação.

O sistema de metas determina que o Banco Central (BC) deve fazer o manejo da taxa básica de juros, a Selic, para levar a inflação a um número específico a cada ano.

Quem determina esse número é o Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo próprio presidente do BC. Em 2023, a meta de inflação era de 3,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos (de 1,75% a 4,75%).

O país não atingia nem mesmo o teto da meta desde 2020. E as projeções de economistas no início de 2023 diziam que o ano não seria diferente.

O primeiro boletim Focus do ano passado — relatório divulgado pelo BC com os números esperados por mais de 100 instituições financeiras do país — mostrava que os especialistas previam uma inflação fechada de 5,31% em 2023.

Uma porção de fenômenos, porém, fez com que a projeção do Focus para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) caísse quase 1 ponto percentual, para a casa dos 4,46%.

Supersafra de alimentos
Para André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), o comportamento dos preços de alimentos foi decisivo para conter a inflação em 2023.

O primeiro semestre ficou marcado por uma supersafra agrícola no Brasil, que favoreceu a produção e reduziu os custos de alimentos.

Além de ajudar as exportações e controlar a cotação do dólar, uma maior oferta de grãos puxou para baixo os preços do subgrupo de Alimentação no domicílio, que é composto por frutas, legumes e carnes in natura.

“Com grãos mais baratos, os animais que consumimos [carnes bovina, suína e aves] tiveram custo de criação reduzido. Ou seja, rações mais baratas também resultaram em queda nos preços das carnes”, explica.

“Tudo isso junto fez com que, em média, os alimentos (no domicílio)
recuassem 1% no ano.”


Os resultados só não são mais perceptíveis porque os alimentos tiveram uma fortíssima alta acumulada desde a pandemia de Covid-19. Antes de cair no ano passado, o grupo Alimentação no domicílio subiu quase 40% entre 2020 e 2022.

Taxa de juros (e a briga de Lula com o BC)
Outro marco da desinflação em 2023 foi a redução de preços de bens duráveis. São itens que tiveram um ganho de procura durante a pandemia, conforme trabalhadores mudavam os hábitos de consumo já que não tinham onde gastar com a economia fechada.

São itens como máquina de lavar, geladeira, fogão e automóveis, que não são substituídos com frequência. Com as trocas realizadas há pouco tempo e a subida das taxas de juros, o grupo não teve aumento real de preços no ano.

“Quando juros estão mais altos, há dois cenários: as famílias de renda menor deixam de consumir, porque o financiamento fica mais caro. E quem tem renda maior deixa de gastar para ganhar mais com rendimento de investimentos”, afirma André Braz, do FGV Ibre.

Ainda que colabore para o controle da inflação, esse aperto no consumo é uma situação que desagrada o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tanto que o início de seu terceiro mandato foi marcado pela ofensiva do petista contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Lula fez reiteradas críticas ao patamar de juros do país, que comprime o poder de consumo e tem o potencial de criar uma desaceleração severa do Produto Interno Bruto (PIB). Além de restringir as compras, juros altos aumentam o custo de crédito e tiram o incentivo de empresários para criar empregos e investir no crescimento das empresas.

Campos Neto, por outro lado, estava convencido de que era necessário manter os juros altos por mais tempo para reduzir as chances de um novo choque inflacionário, como havia acontecido em 2021. Naquele ano, o IPCA fechou o ano em alta de 10,06%, a maior desde 2015.

Desde que a Selic subiu, a inflação de serviços caiu lentamente. Partir para uma redução antes da hora poderia significar outro repique de inflação, principal receio do BC.

Quem estava certo?
Entre os economistas, o debate é extenso sobre o efeito dos juros sobre a inflação pós-pandemia.

Para Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria, é indiscutível que há um efeito importante da normalização das cadeias globais de suprimentos para a redução da inflação no Brasil e no mundo pelo lado da oferta.
 
Mas o patamar de juros ajudou a controlar uma nova demanda do setor de serviços, que é o maior da economia brasileira e foi bastante estimulado pelo acúmulo de poupança de quem tinha renda mais alta e pelo reforço dos benefícios sociais aos de renda mais baixa.

“O BC fez o diagnóstico correto de observar que havia um elemento de demanda forte chancelando esses repasses de preços que vinham da oferta. Foi preciso esfriar essa demanda para conseguir controlar a inflação”, diz a economista.

“Os bancos centrais de países desenvolvidos reagiram mais tarde e ainda estão na luta, enquanto aqui já pudemos começar o processo de redução. E entendo que eles ainda têm um desafio grande para desinflacionar.”

Alessandra ressalta ainda que houve grande acerto do governo em sua agenda econômica, que contribuiu para que o câmbio ficasse bem comportado no ano passado. O principal destaque é o arcabouço fiscal, que demostra algum compromisso de disciplina com os gastos públicos e tranquiliza investidores a trazerem recursos para o país.

Já Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, entende que tanto o efeito inflacionário como o de desaceleração dos preços foi, certa forma, global. O movimento sincronizado de alta de preços aconteceu por problemas claros de oferta durante a pandemia.
 
Além disso, o mundo assistiu a um desajuste de preços de commodities, que foi acentuado em 2022 pela guerra na Ucrânia. O economista faz a analogia de que o mundo foi “eletrocutado” pelo conjunto de choques combinados da crise.

“A própria reversão desses choques de custo fez uma boa parte do ‘serviço sujo’ de desinflacionar a economia. Começou nos preços de commodities e de fretes, chegou aos índices de preço ou produtor e o último elo dessa cadeia são os preços ao consumidor”, diz Borges.

Em outras palavras: Borges entende que a inflação tinha um componente mais forte de oferta, e que o BC poderia ter sido mais leniente. Em seus cálculos, ele observa que a elevação de juros foi adequada em um primeiro momento, mas ficou excessivamente restritiva de meados de 2022 para cá.

Prova disso é que a desinflação brasileira ocorreu sem grandes custos a outros indicadores econômicos que deveriam recuar com juros mais altos. Um caso marcante é o mercado de trabalho, que seguiu criando vagas.

“O BC começou a corrigir isso agora, e devemos ter juros na casa de um dígito em breve. Mas o processo de desinflação custou mais em termos de dívida pública e desaquecimento econômico”, diz o economista.

O que esperar para 2024
Um consenso entre os economistas é de que o processo de desinflação veio de um conjunto de fatores, sem uma bala de prata. Seja pela resolução da oferta ou por esfriamento da demanda, novas questões aparecem no radar da inflação.

Em 2023, o grupo que mais pressionou o IPCA foi o de preços monitorados — aqueles que dependem de algum órgão público ou são remunerados por impostos e taxas, como os combustíveis e as contas de água e de luz.

André Braz, do FGV Ibre, atribui parte do aumento da gasolina, por exemplo, à reoneração de impostos sobre o produto. Os combustíveis tem grande peso sobre a inflação oficial, e comprometem quase 5% do orçamento familiar, conforme o especialista já havia dito ao g1.

“Houve corte de impostos no período eleitoral [pelo presidente Jair Bolsonaro, em 2022]. O governo atual até adiou a volta das cobranças, mas não teve como não retomar, em função do buraco que já existe nas contas públicas”, diz.

Ainda assim, entram também os fatores internacionais em sentido oposto. O preço do barril de petróleo, que baliza os preços de combustíveis, teve queda importante ao longo do ano. Isso compensou a retomada dos impostos, junto com uma nova política de preços da Petrobras, que segura (às custas da empresa) a volatilidade do mercado de commodities.

Também nos cálculos de economistas ouvidos pelo g1, as commodities não devem ter alta relevante no ano que vem. Como a perspectiva é de redução da atividade econômica global, o preço de itens básicos deve se manter sem rompantes.

André Braz pondera, entretanto, que fatores climáticos podem ser grandes vilões da inflação no ano — até porque já trouxeram impactos no ano que passou. A influência do El Niño, fenômeno meteorológico que eleva as temperaturas, já se mostra na produção agrícola dos últimos trimestres de 2023, e deve ser ainda pior para os resultados de 2024.

“O El Niño pode fazer com que os alimentos subam mais do que o previsto. Se isso acontecer, terá uma pressão ainda maior na inflação. É a grande preocupação para o ano”, afirma.
 
Outro ponto de atenção será, novamente, com os preços monitorados. Plano de saúde e energia, por exemplo, estão no radar como fatores de alta ao longo deste ano.
Por outro lado, a “folga” na inflação deve vir do grupo de bens duráveis, considerando os efeitos ainda lentos da redução da taxa de juros. Mesmo com as quedas da Selic, leva um tempo para que a população readeque suas contas, para que empresários invistam e a renda disponível passe a melhorar. “As pessoas devem continuar adiando o consumo”, diz Braz.

Por fim, o setor de serviços deve colaborar com o arrefecimento do IPCA. Para os economistas ouvidos pelo g1, a expectativa é que os preços do setor avancem menos em 2024, também como efeito prolongado dos juros altos.
 
 
G1 Economia Por André Catto, Raphael Martins


 
Editorial, 10.JANEIRO.2024 | Postado em Mercado


  • 1
Exibindo 1 de 1